Em setembro de 2011, durante a missa de sétimo dia da filha Bianca, assassinada dentro de casa, na zona leste de São Paulo, Marta Consoli recebeu um apoio inesperado. Dilacerada pela perda prematura da jovem de 19 anos, foi amparada por pessoas que haviam experimentado dor semelhante à dela. Eram mães e pais que tiveram as vidas transformadas após a morte dos filhos, também vítimas da violência.
Marta conta que se sentia “perdida” no dia e que aquele carinho foi fundamental para mantê-la de pé. Daquele encontro, começou a nascer um desejo de lutar por justiça que ultrapassava as fronteiras do próprio sofrimento. Por empatia ou solidariedade, ela entendeu que os casos que começava a conhecer também a pertenciam.
— Eu falei: “Nossa, com as outras pessoas aconteceu e elas estão aqui”. Ficamos conversando depois da missa, conversando, conversando. Naquele dia, começou.
Os laços foram se estreitando e ela passou a fazer parte do grupo “Justiça é o que se busca”, uma organização sem fins políticos e financeiros. Desde então, frequenta manifestações, julgamentos e tenta devolver o apoio que vem recebendo. Nas contas dela, já acompanhou dez júris. Ela justifica:
— É para a gente não enfrentar sozinha o julgamento, que é uma coisa fria, dolorosa.
E completa:
— Dá mais força saber que as pessoas estão ali, orando com você, dando aquela palavra de carinho. Você não imagina o quanto é bom receber um abraço.
Nesta terça-feira (23), quando o motoboy Sandro Dota, acusado pelo assassinato de Bianca Consoli, se sentar no banco dos réus, Marta e os familiares não estarão desamparados. Terão a companhia de integrantes do grupo no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste. De acordo com ela, mães de outros Estados, como Bahia e Ceará, virão a São Paulo especialmente para acompanhar o júri.
Marta torce pela condenação do ex-genro e para que ele receba “uma pena justa”.
— Não que o julgamento vá tirar alguma dor, mas é para saber que ele foi condenado e está pagando pelo que fez. Queremos uma pena justa. Não vai trazer a minha filha de volta, mas que ele realmente pague.
Mesmo se Dota for considerado culpado pela Justiça, nada, segundo ela, será capaz de reparar o que aconteceu.
— O corpo da minha filha está preso dentro de um buraco negro — o espírito dela, não. A minha família vai viver o resto da vida com essa escuridão. E ele simplesmente vai ficar lá [prisão], de boa, comendo à nossa custa. E vai sair e continuar vivendo a vida dele.
Emocionada, revela ao R7 que sairá do plenário na hora do interrogatório do réu.
— Estarei lá fora, junto com as outras mães, pedindo justiça pela vida da minha filha que foi tirada e pelas vidas dos filhos delas. Se eu ficar lá [dentro do plenário], falo com toda emoção de uma mãe, não sei se vou suportar vê-lo [Dota] falar tanta mentira.
Lembranças compartilhadas
Além do apoio da família, Marta encontrou na troca de relatos com outras mães que perderam os filhos, uma forma de elaborar o luto e de encarar a perda.
— A gente fala dos nossos filhos, deles vivos. Eu conto o que a Bianca fazia comigo, como a gente era feliz, o que a gente aprontava. Aí, outra mãe diz: “Ah, meu filho também fazia isso comigo”. É uma mãe ajudando a outra.
Ela diz que abraçar a causa lhe deu mais força e que poder oferecer uma palavra de conforto a outros que vivem situação parecida com a dela faz com que se sinta “um ser humano melhor”.
— É o sentimento de que estou fazendo o bem. Como as pessoas me ajudam até hoje — porque tem dias em que estou caída e o pessoal liga, conversa, me ajuda —, eu sinto que estou também ajudando a amenizar um pouquinho a dor daquela pessoa. Um carinho é fundamental.
Na opinião de Marta, a filha Bianca não só aprovaria, como ficaria feliz com o engajamento dela.
— Era uma muito generosa. Era uma pessoa boa de coração.
Memória viva
O corpo de Bianca foi encontrado próximo à porta de saída da casa onde a estudante morava com a família. Ela havia acabado de tomar banho e se preparava para ir à academia, quando foi atacada. Sandro Dota, na época, cunhado dela, responde por homicídio triplamente qualificado e por estupro. O motoboy, que irá a júri popular, nega os crimes.
O nome da jovem foi dado a um abrigo, mantido pela prefeitura de São Paulo, para acolher outras mulheres vítimas de violência. Marta esteve no local e se emocionou com a homenagem à filha.
— É um lugar com endereço sigiloso, para ajudar mulheres que passaram por violência doméstica, assim como ela passou. Eu fui lá e chorei.
Fonte: R7
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